26 de março de 2014

Restituição dos Mandatos Cassados em Porto Alegre


Nesta quinta-feira, dia 27 de março, às 14h, a Câmara Municipal de Porto Alegre fará uma sessão de restituição dos mandatos de prefeito, vice-prefeito e vereadores cassados durante a ditadura civil-militar. A atividade ocorrerá no auditório Otávio Rocha.

Nesta homenagem, serão restituídos os mandatos do ex-prefeito Sereno Chaise, do vice-prefeito Ajadil de Lemos, e dos vereadores Alberto Schoeter, Dilamar Machado, Glênio Peres, Marcos Klassmann, Índio Vargas, e Hamilton Chaves, que tiveram seus mandatos cassados no período da ditadura (1964 a 1985).

Às 15h ocorrerá o painel Memória Verdade e Justiça, com Roberto Caldas, Ivan Marques e José Carlos Moreira da Silva.

* Notícia na página da Comissão Estadual da Verdade.

13 de março de 2014

50 anos do comício da Central do Brasil.



Hoje se completaram 50 anos de um dos mais marcantes discursos proferidos por um Presidente da República na história do país. No dia 13 de março de 1964, em um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, João Goulart anunciou a disposição de realizar grandes transformações no país, as chamadas reformas de base. Pouco tempo depois, no dia 1º de abril, em defesa dos interesses dos grupos mais conservadores, contrários às reformas anunciadas, o exército promove o golpe militar que derrubou Jango da presidência, dando início a uma ditadura de 21 anos.

6 de março de 2014

Laerte Meliga

O livro Direito à Memória e à Verdade: Histórias de meninos e meninas marcados pela ditadura [link para o arquivo em PDF], publicado em 2009 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, traz histórias de adolescentes ativistas políticos, além de crianças e adolescentes que sofreram com a ditadura apenas pela opção política de seus pais. Entre os casos descritos está o de Laerte Meliga, que militou no movimento estudantil do Julinho, fez parte do grupo dos "Brancaleones", juntamente com Ico Lisboa e Cláudio Gutierrez, entrou para a luta armada e foi preso e torturado. Reproduzimos aqui o trecho que fala sobre ele.

Brancaleone adolescente

"Laerte Meliga se declarou socialista aos 13 anos e aos 14, junto com um grupo de amigos, rompeu com o Partido Comunista. Os garotos atrevidos foram apelidados Brancaleones, em alusão ao filme de Mario Monicelli, O Incrível Exército de Brancaleone, uma paródia satírica de Dom Quixote de La Mancha, que retrata a decadência do sistema feudal e a capacidade humana de enfrentar perigos gigantescos para defender sonhos. Por conta de sua militância, aos 17 foi parar na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), na ala dos adolescentes infratores, onde o trataram com o maior respeito. Clandestino antes de atingir a maioridade, acabou detido novamente pouco tempo depois. Com 18 anos, recém-feitos, passou por sessões de tortura e amargou três anos e nove meses de cárcere. 'Lá eu aprendi muitas coisas, inclusive a escrever certo', diz ele, hoje jornalista e subsecretário de Planejamento, Orçamento e administração do Ministério do Planejamento.
Seu interesse pelas escaramuças políticas do país vem de longe. Filho de uma família de petebistas, ainda criança acompanhou de perto o Movimento da Legalidade, quando o então governador gaúcho Leonel Brizola sublevou o Rio Grande do Sul para garantir a posse do presidente João Goulart. Precoce, aos 11 entrou de corpo e alma no movimento estudantil do Colégio Júlio de Castilho, um dos QGs da resistência juvenil à ditadura em Porto Alegre. Daí para frente sua vida foi norteada pelas passeatas, protestos, congressos. 'Eu me criei em uma vila e ao meu redor só via injustiça, por isso tomei consciência da necessidade de mudar', explica.
Com 16 anos, Laerte lia Sartre (Jean Paul Sartre, escritor e filósofo francês) e o compêndio de livros proibidos pela repressão. Sua mãe – assombrada pelo perigo que as leituras do filho representavam – um dia ameaçou jogar uma das obras comprometedoras na parede. O filho não deixou por menos: pegou um prato de porcelana antigo de estimação e avisou: 'Se jogar o livro, eu jogo o prato'. Ela jogou e ele também.
Como as atividades da militância o absorviam por inteiro, Laerte deixou o colégio Julinho na terceira série por excesso de faltas. Ainda tentou completar o ginásio na Escola Técnica Parobé, mas não concluiu. Antes disso, com apenas 17 anos e virgem, entrou para a clandestinidade. 'Transei pela primeira vez um mês antes de ser preso. Quase que entro virgem para a cadeia', recorda, divertido e preocupado.
À parte deste breve romance, a clandestinidade foi um período difícil, vivido em São Paulo. Começavam os anos 70 – o período mais duro da ditadura – e o movimento Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), ao qual havia se vinculado, estava sendo dizimado. Daquela época, lembra das pensões infestadas de pulgas, da expectativa para entrar em ação e dos pesadelos da primeira noite em São Paulo, no dia 31 de março de 1970: 'Eu tinha a sensação de não ter pernas ou de que as pernas viravam gravetos'. Ele também se questionava a respeito dos rumos da luta que, no seu entender, estava entrando em um círculo vicioso voltada apenas para a própria sobrevivência.
Em fevereiro de 1971, Laerte voltou a Porto Alegre para manter contato com um companheiro de militância. Esperava por ele na avenida São Pedro quando recebeu ordem de prisão. Foi levado ao DOPS gaúcho com um capuz na cabeça. Quando pressentiu a presença de outros presos políticos, gritou alto o seu nome e foi coberto de pancadas. 'Eu estava tão quente que nem senti'. A dor veio com o pau-de-arara e o eletrochoque.
Laerte foi transferido para São Paulo em um avião comum da Varig. Os agentes colocaram uma roupa sobre as algemas para não denunciar sua condição aos passageiros. Também não o deixaram comer, porque voltaria a ser torturado no DOPS paulista, onde foi direto para o pau-de-arara. Nos quase quatro anos seguintes, entre São Paulo e o Rio Grande do Sul, passou pelo DOI-CODI, o quartel Serraria, o DOPS novamente, o presídio Tiradentes, a Casa de Detenção e a Penitenciária do Estado de São Paulo, além do Hospital Penitenciário, para onde foi levado após 32 dias de greve de fome.
Com 1m75cm de altura e habituais 68 quilos, ao final estava com 54 quilos.
Em quase todas as celas onde esteve, a maioria dos presos era jovem. 'Depois que passou a tortura, foi um período muito bom de aprendizado, apesar de tudo', garante.
Encarcerado, estudou de verdade pela primeira vez, norteado por uma espécie de curso sem mestre encadernado. Durante longo tempo, escreveu uma carta para a família todas as noites. Estas cartas eram corrigidas por seu companheiro da cela ao lado Reinaldo Morano Filho, na época já advogado e estudante de Medicina. Laerte passava os textos a limpo, mas nem sempre os enviava. Ele guarda os três cadernos de rascunhos até hoje. Entretanto nem cogita usá-los como fonte para escrever um livro de memórias ou algo do gênero. 'Quem tinha que escrever, já escreveu', opina.
Entre as lembranças da prisão, está a camaradagem, a solidariedade e a autogestão da rotina carcerária. O tempo era todo planejado: hora da leitura, hora da ginástica e hora do trabalho, no caso a produção de artesanato em couro: 'A gente fazia bolsa, pulseira, cinto, sandália e as famílias vendiam'. Os parentes também eram responsáveis por fornecer a matéria-prima e as ferramentas.
A privação da liberdade foi compensada pela consciência da necessidade da luta e o orgulho de participar dela, garante Laerte, que saiu da prisão sem emprego, atrasado nos estudos regulares, mas com experiência redobrada. Estava 'cheio de gás'. Logo conseguiu emprego, entrou no supletivo e, em seguida, na faculdade. Sem nunca deixar de militar. Sério por natureza, encontrou uma frase bem-humorada para definir os quase quatro anos de cadeia: 'Perdi Saramandaia, mas em compensação li Cem Anos de Solidão. Em espanhol'."