O projeto de lei que autoriza a liberação de verba para
a desapropriação do terreno que abriga o antigo Dopinha, local utilizado entre
1966 e 1971 como centro clandestino de detenção e tortura, situado
no n. 600 da rua Santo Antônio, deve ser encaminhado pela prefeitura à Câmara
Municipal em três semanas.
O projeto inclui autorização para compra do terreno,
isenção de pagamento de IPTU, e vinculação da aquisição à finalidade de uso do
imóvel para abrigar o Centro de Memória Ico Lisboa. A desapropriação do imóvel
é reivindicada pelo Comitê Carlos de Ré da Memória, Verdade e Justiça, que será
responsável pela criação do memorial, cujo nome homenageia Luiz Eurico Tejera
Lisboa.
Expectativa é que texto chegue à Câmara da Capital em
três semanas
Lívia Araújo
Dentro de três semanas, a prefeitura de Porto Alegre
deve encaminhar à Câmara Municipal um projeto de lei que autoriza a liberação
de verba para a desapropriação do terreno que abriga o antigo Dopinha, no
número 600 da rua Santo Antônio, em Porto Alegre, e que, entre 1966 e 1971,
abrigou um local clandestino de prisão, tortura e morte de militantes
perseguidos pela ditadura militar. A informação é do integrante do Comitê
Carlos de Ré da Verdade, Memória e Justiça, vereador Pedro Ruas (P-Sol), que
esteve reunido, na semana passada, com o prefeito José Fortunati (PDT) e o
secretário municipal da Fazenda, Roberto Bertoncini.
De acordo com a coordenadora-geral do comitê, Christine
Rondon, no projeto constam a autorização para a compra do terreno, a isenção do
pagamento do IPTU e a vinculação da aquisição à finalidade de uso posterior do
imóvel, que abrigará o Centro de Memória Ico Lisboa, destinado a ser um espaço
para lembrar a resistência ao regime. Na reunião, o Executivo municipal apontou
a necessidade de desmembramento da avaliação do terreno e do imóvel e suas
benfeitorias. O Executivo estadual arcará com o pagamento da casa e
benfeitorias. De acordo com a Casa Civil, o governo do Estado aguarda o retorno
da prefeitura sobre os documentos enviados para inclusão no projeto. Conforme a
Secretaria Municipal da Fazenda (SMF), a avaliação do imóvel feita pelo governo
do Estado é de R$ 2,15 milhões – por essa estimativa, o valor do terreno não
foi separado do das benfeitorias. Por isso, o imóvel passará por nova
avaliação, a cargo da Unidade de Avaliação de Imóveis da SMF, para separar os
dois valores. Isso é necessário porque há uma definição de que a desapropriação
ocorra por Transferência de Potencial Construtivo (TPC), também conhecida como
índice construtivo, que só pode ser utilizada na desapropriação do terreno. O
valor das benfeitorias seria pago pelo Estado, e a diferença entre os 50% que
cabem a cada uma das esferas, estadual e municipal, seria compensada por meio
de convênio.
A desapropriação do casarão é reivindicada pelo comitê,
que será também o responsável pela criação do memorial. O nome homenageia o
militante político Luiz Eurico Tejera Lisboa, desaparecido em 1972, cujo corpo
foi o primeiro a ser encontrado, em 1979, no cemitério clandestino de Perus, no
estado de São Paulo, onde os militares depositavam os corpos de cidadãos torturados
e mortos pela ditadura.
Ruas acredita que o projeto de lei seja aprovado sem
contratempos, por se tratar de lei do Executivo e também por ser apoiado pela
bancada de oposição. Segundo Ruas, após a desapropriação, o comitê terá
condições de ocupar imediatamente o imóvel e realizar atividades culturais e
palestras, além de abrigar documentos da época do regime militar. “Nossa
urgência leva em conta que o Dopinha é o primeiro centro de sequestro, tortura
e morte da América Latina concebido para essa finalidade. Por isso,
qualifica-se para ser um sítio de memória de referência internacional”,
destaca.
Atualmente, segundo a coordenadora-geral, o espaço já é
aberto a atividades, como o evento que marcou o lançamento do Centro de
Memória, em dezembro de 2013, pois a própria família proprietária é favorável à
venda do imóvel. O comitê está retomando
o contato com o governo federal, através do Ministério dos Direitos Humanos,
para negociar os custos das reformas e adequações necessárias no casarão.
“Também temos possibilidade de buscar essa verba em parceria com outras
secretarias e instituições”, afirma Christine.
O imóvel foi alugado clandestinamente pelo Exército em
1964, dificultando, por exemplo, a expedição de habeas corpus e tomada de
depoimentos, já que não havia entrada oficial de prisioneiros no local. Um dos
torturados e mortos no casarão foi o sargento Manoel Raimundo Soares, que,
depois de morto, teve seu corpo atirado no Rio Jacuí. Apesar de ter as mãos
amarradas, o laudo emitido pelas autoridades da época apontava que a causa da
morte era suicídio. O episódio ficou conhecido como Caso das Mãos Amarradas.