15 de julho de 2014

Desapropriação do Dopinha

O projeto de lei que autoriza a liberação de verba para a desapropriação do terreno que abriga o antigo Dopinha, local utilizado entre 1966 e 1971 como centro clandestino de detenção e tortura, situado no n. 600 da rua Santo Antônio, deve ser encaminhado pela prefeitura à Câmara Municipal em três semanas.
O projeto inclui autorização para compra do terreno, isenção de pagamento de IPTU, e vinculação da aquisição à finalidade de uso do imóvel para abrigar o Centro de Memória Ico Lisboa. A desapropriação do imóvel é reivindicada pelo Comitê Carlos de Ré da Memória, Verdade e Justiça, que será responsável pela criação do memorial, cujo nome homenageia Luiz Eurico Tejera Lisboa.


Expectativa é que texto chegue à Câmara da Capital em três semanas
Lívia Araújo

Dentro de três semanas, a prefeitura de Porto Alegre deve encaminhar à Câmara Municipal um projeto de lei que autoriza a liberação de verba para a desapropriação do terreno que abriga o antigo Dopinha, no número 600 da rua Santo Antônio, em Porto Alegre, e que, entre 1966 e 1971, abrigou um local clandestino de prisão, tortura e morte de militantes perseguidos pela ditadura militar. A informação é do integrante do Comitê Carlos de Ré da Verdade, Memória e Justiça, vereador Pedro Ruas (P-Sol), que esteve reunido, na semana passada, com o prefeito José Fortunati (PDT) e o secretário municipal da Fazenda, Roberto Bertoncini.
De acordo com a coordenadora-geral do comitê, Christine Rondon, no projeto constam a autorização para a compra do terreno, a isenção do pagamento do IPTU e a vinculação da aquisição à finalidade de uso posterior do imóvel, que abrigará o Centro de Memória Ico Lisboa, destinado a ser um espaço para lembrar a resistência ao regime. Na reunião, o Executivo municipal apontou a necessidade de desmembramento da avaliação do terreno e do imóvel e suas benfeitorias. O Executivo estadual arcará com o pagamento da casa e benfeitorias. De acordo com a Casa Civil, o governo do Estado aguarda o retorno da prefeitura sobre os documentos enviados para inclusão no projeto. Conforme a Secretaria Municipal da Fazenda (SMF), a avaliação do imóvel feita pelo governo do Estado é de R$ 2,15 milhões – por essa estimativa, o valor do terreno não foi separado do das benfeitorias. Por isso, o imóvel passará por nova avaliação, a cargo da Unidade de Avaliação de Imóveis da SMF, para separar os dois valores. Isso é necessário porque há uma definição de que a desapropriação ocorra por Transferência de Potencial Construtivo (TPC), também conhecida como índice construtivo, que só pode ser utilizada na desapropriação do terreno. O valor das benfeitorias seria pago pelo Estado, e a diferença entre os 50% que cabem a cada uma das esferas, estadual e municipal, seria compensada por meio de convênio.
A desapropriação do casarão é reivindicada pelo comitê, que será também o responsável pela criação do memorial. O nome homenageia o militante político Luiz Eurico Tejera Lisboa, desaparecido em 1972, cujo corpo foi o primeiro a ser encontrado, em 1979, no cemitério clandestino de Perus, no estado de São Paulo, onde os militares depositavam os corpos de cidadãos torturados e mortos pela ditadura.
Ruas acredita que o projeto de lei seja aprovado sem contratempos, por se tratar de lei do Executivo e também por ser apoiado pela bancada de oposição. Segundo Ruas, após a desapropriação, o comitê terá condições de ocupar imediatamente o imóvel e realizar atividades culturais e palestras, além de abrigar documentos da época do regime militar. “Nossa urgência leva em conta que o Dopinha é o primeiro centro de sequestro, tortura e morte da América Latina concebido para essa finalidade. Por isso, qualifica-se para ser um sítio de memória de referência internacional”, destaca.
Atualmente, segundo a coordenadora-geral, o espaço já é aberto a atividades, como o evento que marcou o lançamento do Centro de Memória, em dezembro de 2013, pois a própria família proprietária é favorável à venda do imóvel.  O comitê está retomando o contato com o governo federal, através do Ministério dos Direitos Humanos, para negociar os custos das reformas e adequações necessárias no casarão. “Também temos possibilidade de buscar essa verba em parceria com outras secretarias e instituições”, afirma Christine.
O imóvel foi alugado clandestinamente pelo Exército em 1964, dificultando, por exemplo, a expedição de habeas corpus e tomada de depoimentos, já que não havia entrada oficial de prisioneiros no local. Um dos torturados e mortos no casarão foi o sargento Manoel Raimundo Soares, que, depois de morto, teve seu corpo atirado no Rio Jacuí. Apesar de ter as mãos amarradas, o laudo emitido pelas autoridades da época apontava que a causa da morte era suicídio. O episódio ficou conhecido como Caso das Mãos Amarradas.

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